INTRODUÇÃO
A Síndrome de Down (SD), ou trissomia do cromossomo 21, é caracterizada como uma síndrome genética autossômica em que os indivíduos apresentam 1 cromossomo 21 a mais, tendo, no total, 47 cromossomos ao invés de 46. A incidência de ocorrência da síndrome no Brasil é de 1 a cada 600 – 800 nascimentos, e independe da classe socioeconômica ou etnia, segundo a Diretriz de Atenção à pessoa com Síndrome de Down, de 2012 (BRASIL, 2012).
A SD é a alteração autossômica genética considerada mais comum no mundo. Os portadores dessa síndrome apresentam características físicas específicas, assim como atrasos no desenvolvimento da função motora associada a deficiências que incluem hipotonia e a frouxidão ligamentar (CAMPOS, COELHO e ROCHA, 2010; TRINDADE, A.S. & NASCIMENTO, M.A., 2016; LOTT e DIERSSEN, 2010; PEREIRA, 2008; BRASIL, 2012). Além disso, crianças com SD podem apresentar outros problemas associados que variam em incidência como, doenças cardíacas congênitas, distúrbios endocrinológicos, disfunções imunológicas e respiratórias, doenças ortopédicas, leucemia e obesidade (J.E. SAMUR-SAN MARTIN et al., 2011; M. LIZAMA CALVO et al., 2015).
O diagnóstico da SD pode ser feito no pré-natal através da translucência nucal e níveis de proteínas materna específicas de acordo com o período gestacional, associado a idade materna (IVAN E CROMWELL, 2014) ou após o nascimento, através da avaliação dos traços físicos da criança e confirmado através do exame de cariótipo (IVAN E CROMWELL, 2014; JANAINA, H et al., 2011; NDSS, 2017).
Considerando a incidência relativamente alta de SD, seu diagnóstico precoce e o atraso no desenvolvimento já esperado, faz-se necessário investigar o desenvolvimento motor específico dessas crianças a fim de minimizar as consequências dessas alterações e contribuir com sua intervenção. Com isso, o objetivo desse estudo é fazer um levantamento bibliográfico acerca do que há na literatura em relação ao desenvolvimento motor e fisioterapia motora na criança com SD.
MÉTODOS
Foi realizada uma revisão bibliográfica contemplando uma visão global sobre o desenvolvimento motor amplo de crianças com SD.
Os artigos foram selecionados a partir dos descritores: síndrome de Down, fisioterapia, desenvolvimento infantil, desenvolvimento motor. Foram utilizadas as bases PubMed, SagePub, Science Direct e Lilacs. Foram incluídos artigos dos últimos 20 anos.
RESULTADOS
3.1. Síndrome de Down
3.1.1 Definição e causas
A trissomia do cromossomo 21 é a condição denominada também de síndrome de Down (SD), que é a causa genética mais comum identificável de deficiência intelectual e defeitos congênitos (BULL et al., 2011). Ocorre em cerca de um a cada 1000 nascimentos por ano. Em 2015, a SD esteve presente em 5,4 milhões de indivíduos e resultou em 27 mil óbitos abaixo de 43 000 mortes em 1990 (SANTORO et al., 2016).
Essa síndrome é tipicamente associada a atrasos de crescimento e desenvolvimento, devido a hipotonia, características faciais específicas e deficiência intelectual leve à moderada (BULL et al., 2011; IVAN e CROMWELL, 2014; TORQUATO et al., 2013).
Os progenitores são geralmente geneticamente normais, sendo que o cromossomo extra ocorre ao acaso. A possibilidade aumenta de menos de 0,1% nas mães com 20 anos de idade para 3% naquelas com 45 anos. Não existindo uma atividade comportamental ou fator ambiental conhecida que altere a possibilidade (GIL et al., 2016).
A SD pode ser identificada durante a gravidez por rastreio pré-natal seguido de teste de diagnóstico através do exame de translucência nucal ou após o nascimento por observação direta das características físicas específicas e análise do cariótipo. A triagem regular para problemas de saúde comuns na SD é recomendada durante toda sua vida (GIL et al., 2016; IVAN e CROMWELL, 2014).
Não há cura para a síndrome de Down. A educação e o cuidado adequado demonstraram melhorar tanto a qualidade quanto a expectativa de vida. A expectativa de vida é de cerca de 50 a 60 anos com cuidados de saúde adequados (BULL et al., 2011). A inserção dessas crianças no âmbito escolar tem aumentado significativamente. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei número 9.394/96), trata da educação como direito de todos os cidadãos e prevê a prestação de serviço de apoio especializado na escola regular. Vale ressaltar que é ainda um grande desafio a inclusão de crianças com SD na educação regular. (KOCH e DA SILVA, 2016; NDSS, 2017).
3.1.2. Características
Portadores da SD quase sempre possuem deficiências físicas e intelectuais. Geralmente, sua função imune é fraca e atingem marcos de desenvolvimento em uma idade posterior. Também possuem um risco aumentado de outra série de problemas de saúde. (D’SOUZA et al., 2016).
Em relação a suas características físicas podem apresentar: vinco único na palma da mão, olhos inclinados, rosto plano e largo, pescoço curto, flexibilidade de articulação excessiva, espaço extra entre o dedo grande e o dedo do pé, padrões anormais nas pontas dos dedos e dedos curtos. Outras características comuns incluem: queixo pequeno, tônus muscular fraco, ponte nasal plana e uma língua alargada e protrusa. As alterações das vias aéreas levam cerca de metade das pessoas com SD a apresentar apneia obstrutiva do sono. (MATTOS e BELLANI, 2010; DONÁ et al., 2015; IVAN e CROMWELL, 2014).
A expressão de complicações clínicas congênitas e adquiridas associadas a SD é variável, como exposto no quadro 1:
Quadro 1: Complicações clínicas na SD.
Sistema | Percentual | Tipos comuns | Fonte |
Cardíacos | 40 – 50% | Defeito do septo atrioventricular (DSAV) parcial ou total;Defeito do septo atrial ou ventricular;Tetralogia de Fallot. | FREEMAN et al., 2008; DIAS FM, et al., 2016. |
Endócrino | 4 – 18% | Hipotireoidismo | NDSS, 2017; BRASIL, 2012 |
Gastrointestinal | 5% | Atresia de esôfago ou duodeno;Doença de Hirschsprung;Doença celíaca;Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). | WISEMAN et al., 2009; NDSS, 2017; BRASIL, 2012. |
Hematológico | 0,6 – 1% | Leucemia | WISEMAN et al., 2009; BRASIL, 2012. |
Ortopédico | 20% 33% | Instabilidade atlanto-axial Luxação de quadril | MATTOS e BELLANI, 2010; IVAN e CROMWELL, 2014. |
O crescimento em relação à altura é mais lento, resultando em adultos que tendem a ter baixa estatura – a altura média para homens é de 1,54 m e nas mulheres é de 1,42 m. Indivíduos com SD estão em maior risco de obesidade à medida que envelhecem. As tabelas de crescimento foram desenvolvidas especificamente para crianças com SD (SANTOS et al., 2006; J.E. SAMUR-SAN MARTIN et al., 2011).
A maioria dos indivíduos com síndrome de Down tem deficiência intelectual leve à moderada com alguns casos com dificuldades graves. À medida que envelhecem, essas pessoas geralmente apresentam menos desempenho do que seus colegas da mesma idade. Alguns, após os 30 anos de idade, podem perder a capacidade de falar. A síndrome causa cerca de um terço dos casos de deficiência intelectual (LOTT e DIERSSEN, 2010; PEREIRA, 2008).
Muitas aquisições motoras são atrasadas, isso se deve a características físicas específicas, das quais trataremos nas próximas seções. (LOTT e DIERSSEN, 2010; PEREIRA, 2008; BRASIL, 2012; NDSS, 2017).
Comumente, indivíduos com essa síndrome têm melhor entendimento linguístico do que capacidade de falar. Entre 10 e 45% dos indivíduos têm uma gagueira ou uma fala rápida e irregular, dificultando a sua compreensão. Eles, em geral, têm facilidade com as habilidades sociais e os problemas comportamentais geralmente não são uma dificuldade tão grande como em outras síndromes associadas à deficiência intelectual (FREEMAN et al., 2009; LOTT e DIERSSEN, 2010).
Em crianças com SD, a doença mental ocorre em quase 30%, com o autismo ocorrendo em 5 a 10%. Pessoas com SD são geralmente felizes, alguns sintomas de depressão e ansiedade podem se desenvolver no início da idade adulta (SINGHAL et al., 2014; JANAINA, H. et al., 2017).
Crianças e adultos com SD estão em maior risco de convulsões epilépticas, que ocorrem em 5-10% das crianças e até 50% dos adultos. Isso inclui um risco aumentado de um tipo específico de ataque chamado espasmos infantis. Cerca de 15% que vivem até os 40 anos ou mais desenvolvem a doença de Alzheimer e naqueles que atingem os 60 anos de idade, entre 50 e 70% têm a doença (WISEMAN et al., 2009; WISEMAN et al., 2015).
3.2. Desenvolvimento Motor
O desenvolvimento motor é um processo contínuo de mudanças na capacidade funcional e habilidades motoras do indivíduo, que dura toda a vida e está diretamente relacionada a idade, porém, independe dela. Ele ocorre à medida que a idade avança, porém, pode diferir entre pessoas da mesma idade, e ser mais rápido ou mais lento em determinados períodos da vida (HAYWOOD e GETCHELL, 2016; GALLAHUE, OZMUN & GOODWAY, 2013, ISAYAMA e GALLARDO, 1998).
O desenvolvimento motor envolve mudanças sequenciais onde cada conquista leva a uma conquista seguinte, de forma ordenada e que são resultado da biologia do indivíduo e da interação desse com a tarefa e com o meio ambiente (HAYWOOD e GETCHELL, 2016; GALLAHUE, OZMUN & GOODWAY, 2013).
O ambiente é importante nesse contexto, pois age como instrumento facilitador do processo de aprendizagem, colaborando para o desenvolvimento. (NOBRE et al,2009 em TRINDADE, A.S. & NASCIMENTO, M.A., 2016).
A hipotonia está presente em todos os indivíduos, porém sua apresentação é variável. Essa condição, associada a frouxidão ligamentar, além de alterações do equilíbrio, faz com que as crianças com SD apresentem atraso no desenvolvimento motor global quando comparadas às crianças típicas, inclusive nas aquisições motoras como, sustentar a cabeça, rolar, sentar, arrastar, engatinhar, andar e correr. Por exemplo, a capacidade de rastejar, geralmente ocorre em torno dos oito meses, em vez dos cinco meses, e a capacidade de marcha independente geralmente ocorre somente em torno de 21 meses ao invés dos 18 meses (CAMPOS, COELHO e ROCHA, 2010; TRINDADE, A.S. & NASCIMENTO, M.A., 2016; LOTT e DIERSSEN, 2010; PEREIRA, 2008; BRASIL, 2012).
As crianças com SD precisam ser estimuladas adequadamente e, assim, alcançarão o potencial de desenvolvimento adequado, mesmo que mais tarde que as outras crianças. Por essa razão, faz-se necessária a intervenção de uma equipe multidisciplinar para estimulação precoce e orientação aos pais e cuidadores (BRASIL, 2012).
3.3. Fisioterapia no desenvolvimento motor da criança com SD
Devido a certas características físicas, apresentadas no subcapítulo anterior, as crianças com SD não desenvolvem habilidades motoras da mesma forma que crianças sem a síndrome. Eles encontram maneiras de compensar essas diferenças o que, a longo prazo, podem levar a complicações como dor nos pés ou desenvolvimento de um padrão de marcha ineficiente (YODER et al, 2014).
Além disso, elas apresentam dificuldades em relação a iniciativa do movimento e motivação para exploração do meio devido ao retardo mental (TOBLE et al., 2013).
A fisioterapia é oferecida principalmente como um serviço preventivo. As crianças têm a chance de experimentar o movimento apropriado, estabelecendo padrões de movimento de melhor qualidade e evitando os desalinhamentos posturais (MARTINEZ,GARCIA, 2008). Assim como oferece às crianças “condições que despertem o desejo de reagir aos estímulos e, assim, desenvolver suas habilidades motoras” (TOBLE et al., 2013).
O objetivo da fisioterapia para essas crianças, portanto, não é acelerar a taxa de desenvolvimento, como é frequentemente presumido, mas sim facilitar o desenvolvimento de bons padrões de movimento. Isso significa que, a longo prazo, ajuda-se a criança a desenvolver uma boa postura, um alinhamento adequado dos pés, um padrão de caminhada eficiente e uma boa base física para o exercício ao longo da vida (HERRERO et al., 2017).
A fisioterapia deverá ser iniciada o mais cedo possível, assim que houver liberação médica para isso. Quanto mais precoce iniciado o tratamento, mais benefícios a criança poderá ter, visto que “a plasticidade neural tem sua maior intensidade nos primeiros meses de vida” (MORAIS et al., 2016).
Todas as crianças com SD devem passar por uma avaliação fisioterapêutica. Os instrumentos de avaliação podem ser complementares a avaliação clínica e direcionar o tratamento. Embora nenhuma delas seja específica para avaliação do desenvolvimento motor da criança com SD (PEREIRA, 2008), elas servem como base para o acompanhamento do seu desenvolvimento. Dentre eles podemos citar as escalas motoras como Alberta Infant Motor Scale (AIMS) (CAMPOS, COELHO, ROCHA, 2010; PEREIRA, 2008), Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI) (MANCINI et el., 2003; PAZIN, MARTINS, 2007) e Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) (TORQUATO et al., 2013).
A intervenção da fisioterapia motora em crianças com SD utiliza técnicas e métodos que promovam o movimento adequado, o equilíbrio e o correto alinhamento postural, como o Conceito Básico Neuroevolutivo – Bobath, hidrocinesioterapia, equoterapia, dentre outros (JANAINA, H. 2011; TORQUATO et al., 2013; TOBLE et al., 2013)
Em uma sessão típica de fisioterapia devem-se observar quais habilidades a criança já dominou sozinha e então determinar o que a criança está pronta para aprender a seguir. É fundamental ensinar às crianças o que elas estão prontas a aprender nas próximas sessões, em vez de trabalhar em algo muito avançado para elas (MATTOS e BELLANI, 2010).
Além disso, é interessante, e importante, ensinar exercícios aos pais para os mesmos praticarem com seus filhos. Os pais podem praticar as atividades quando a criança estiver descansada e forte, e essas podem ser incorporadas na rotina diária. Através da prática e da repetição, a criança desenvolverá força e eficiência, levando ao domínio do movimento (RICCI e HODAPP, 2003).
Deve-se contemplar o padrão de pensamento, comportamento e reação de uma criança com SD ao aprender habilidades motoras grosseiras. O temperamento é a maneira característica de uma pessoa de pensar, comportar-se e reagir. Deve-se observar que crianças com síndrome de Down se dividem em duas categorias básicas de temperamento: o impulsivo e o observador. Crianças que são impulsivas tendem a adotar riscos. Eles gostam de se mover rápido e toleram novos movimentos e posições. Não querem ficar em um lugar e não gostam de ser estacionários. As crianças que são observadoras são mais cautelosas, cuidadosas e querem estar no controle. Elas preferem posições estacionárias e são facilmente amedrontadas ao aprender novos movimentos. Quando as crianças que são impulsivas estão aprendendo a caminhar, por exemplo, correrão riscos para tomar medidas independentes e não serão prejudicadas por quedas frequentes. Os observadores serão mais cautelosos e só arriscarão etapas independentes quando tiverem certeza de seu equilíbrio (CHAPMAN e HESKETH, 2000).
O fisioterapeuta deve determinar o que motiva o paciente. É mais provável que a criança com SD se mova quando há algo que a motive. Por exemplo, ela pode rastejar para chegar a um brinquedo favorito. Ao praticar habilidades motoras, o sucesso e o prazer da criança dependerão de como são as atividades, quais tipos de materiais são utilizados e onde você os coloca (MARTINEZ e GARCIA, 2008).
Os brinquedos são um bom suporte para auxiliar a mudança de transição da criança, visto que, pelo interesse pelo brinquedo ela vai se deslocar e mudar de posição. As brincadeiras auxiliam tanto para atividade motora quanto para atividade, estimulação, mental e afetiva (JANAINA, H. et al., 2017).
RICCI e HODAPP (2003) sugerem que primeiro, se introduza a atividade para que a criança sinta e tolere o movimento. Em segundo lugar, ajude-a a se familiarizar com a atividade e entender o que deseja que ele faça. Em terceiro lugar, deve-se praticar a atividade em conjunto e diminuir gradualmente o apoio. Em quarto lugar, o progresso em direção à independência. O objetivo final é que a criança com SD domine a atividade e seja capaz de fazê-la por conta própria.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Crianças com SD exigem mais tempo para aprender movimentos à medida que a complexidade do movimento aumenta. Na revisão da literatura observou-se que essa síndrome afeta o desenvolvimento motor, mas não as aquisições motoras. Ou seja, a criança com SD tem um grande potencial e quando estimulada pode ter uma vida de maior independência (PAZIN e MARTINS, 2007). Os resultados têm implicações para aconselhar os pais, a tomarem decisões sobre intervenções motoras e anteciparem o prazo para a realização das funções motoras.
Crianças com síndrome de Down têm um estilo de aprendizagem único, e precisamos compreendê-las e respeitá-las. A terapia deve ser individualizada, pois cada criança possui um ritmo de desenvolvimento, ainda que apresente a mesma condição genética. O fisioterapeuta deve certificar-se de que as sessões de fisioterapia proporcionem um ambiente de aprendizagem agradável para as crianças, para que elas sejam motivadas e deve-se encorajar os pais a fazerem o mesmo em casa.
A hipotonia está presente em todos os indivíduos com SD, porém sua apresentação é variável. Essa condição, associada a frouxidão ligamentar, faz com que elas tenham um atraso no desenvolvimento motor global, inclusive nas aquisições motoras como, sustentar a cabeça, rolar, sentar, arrastar, engatinhar, andar e correr. Essas crianças precisam ser estimuladas adequadamente e, assim, alcançarão o potencial de desenvolvimento adequado, mesmo que mais tarde que as outras crianças. Por essa razão, faz-se necessária a intervenção de uma equipe multidisciplinar para estimulação precoce e orientação aos pais e cuidadores (BRASIL, 2012; NDSS, 2017).
Fonte: interFISIO