Fato de Josué ter síndrome de Down não interferiu na escolha de Maria de Lourdes Apolinário, a Lurdinha, que já tem duas filhas biológicas adultas
Sentado no chão do quarto, Josué, 26 anos, monta um quebra-cabeça. A embalagem com o mosaico de um caminhão indica o brinquedo para crianças. Em pé e perto da porta, Maria de Lourdes Apolinário, a Lurdinha, 51 anos, desafia a lógica do senso comum.
Encaixa a história de Josué, que tem diagnóstico clínico de síndrome de Down e rendimento de Deficiência Mental Moderada, à sua vida. Essa alteração genética não impediu que ela entrasse com pedido judicial para adotá-lo. Agora, ela é a mãe dele.
O jovem Josué passou a vida toda em abrigos. Por duas vezes conviveu com famílias interessadas em tê-lo como filho. Mas provavelmente identificado como um “bebê down” foi devolvido.
O caso dessa adoção tardia, que se opõe às preferências da maioria dos interessados por adoção que aguardam por crianças pequenas e saudáveis, está sendo considerado inédito em Santa Catarina.
Existem casos de adoção de adultos. Porém, quase sempre de pessoas que convivem há mais tempo juntas. Do pedido à obtenção da guarda provisória, na Vara da Infância e Juventude, são apenas 10 meses.
Rapidez no processo é consequência de lei sancionada neste ano
O trâmite rápido do processo que aproximou mãe e filho é consequência de uma lei desconhecida por muita gente. Assinada em fevereiro deste ano pela presidente Dilma Rousseff, dá prioridade de tramitação de adoção de crianças e adolescentes com deficiência ou doença crônica.
A autora da proposta, a deputada Nilda Gondim (PMDB-PB), justifica que a medida pretende acelerar o processos de adoção dessas crianças e adolescentes. Mas manterá os critérios estabelecidos em lei. A intenção, esclarece a parlamentar, não é pular etapas ou afrouxar procedimentos. Crianças com deficiência ou com doenças crônicas representam cerca de 10% das crianças que estão em abrigos à espera de adoção no país.
A especificidade do caso chegou ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, onde Lurdinha trabalha. Quando exercia o cargo de presidente em exercício, o desembargador Torres Marques concedeu à servidora licença de adoção de seis meses. Foi uma concessão excepcional pelo fato de o rapaz ter permanecido em abrigos desde o nascimento e ser incapaz para quase todas as coisas que fazem parte da nova rotina.
“Minha “Minha mamãe” são as primeiras palavras aprendidas com ajuda de fonoaudióloga
A avaliação constou em um estudo social realizado pela Diretoria de Saúde do TJ, o qual apontou que o jovem, após o início da convivência e pelo atendimento em tempo integral dispensado pela adotante, obteve melhora significativa na articulação da fala.
Por falta de estímulos, Josué apresenta atraso no desenvolvimento da linguagem e alteração de órgãos fonoarticulatórios e funções neurovegetativas. Mas, desde que começou a ser acompanhado por uma fonoaudióloga, apresenta melhoras.
_ Minha mamãe _ já diz Josué, quando retorna de atividades como natação ou da oficina de reciclagem de papel onde convive com outros jovens com exigências semelhantes.
Também por isso, ficou justificada a extrema necessidade de afastamento do trabalho da mãe nesta fase inicial da adoção. Especialmente pelo fato de o rapaz nunca ter participado do cotidiano familiar e precisar de orientação e acompanhamento em atividades de rotina.
Em novembro termina o prazo da guarda provisória. Se tudo continuar correndo bem, a guarda definitiva será concedida. Josué passará a se chamar Josué Antônio (em homenagem ao companheiro de Maria de Lourdes, o Toninho) Apolinário e terá oficialmente duas irmãs, Érica e Natália.
Sob o olhar de Lurdinha, continuará a montar o quebra-cabeça mais especial de sua vida.
Servidora Servidora pública compartilhou com familiares a decisão de adotar
Maria de Louredes Apolinário, a Lurdinha, é divorciada e mãe biológica de duas jovens. Uma tem 22 e outra 25 anos. Formada em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ela exerce o cargo de técnico judiciário uuxiliar no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Há nove anos mantém um relacionamento com José Antônio Zortéa, o Toninho, também divorciado, e pai de um casal de filhos. A moça tem 22 e o rapaz 31 anos. Lurdinha e Toninho moram em casas separadas, mas costumam passar o final de semana, viajar e tirar férias juntos.
Lurdinha conta que sempre pensou na possibilidade de adotar. Mas foi a aproximação dos 50 anos e da aposentadoria, que deve sair em dois anos, que a fez amadurecer a ideia. Conversou sobre a intenção com os familiares e explicou que isso poderia ocorrer independente da idade, sexo, cor, situação de saúde da criança ou adolescente.
Recebeu apoio de todos, e reconhece o grande incentivo vindo do seu companheiro. Mesmo assim achou que deveria preparar-se. Buscou ajuda psicológica com uma profissional. Também esteve em encontros organizados pelo Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de Florianópolis, o GEAAF.
Lurdinha Lurdinha e Josué se conheram em um jantar, depois que ele a cumprimentou por três vezes
Setembro de 2012 chegou com uma boa nova para ela. Em um jantar organizado pela Cooperativa Social de Pais e Amigos Portadores de Deficiência (Coepad) conheceu o sorridente Josué.
_ Naquela noite, se mostrando afetivo e educado, ele veio por três vezes até a nossa mesa nos cumprimentar_ recorda.
No começo, ela pensou que o rapaz seria filho de um associado. Até descobrir ser um jovem abrigado no Centro Educacional São Gabriel, instituição mantida pelo Estado, localizada em São José, na Grande Florianópolis.
O centro de acolhimento de alta complexidade atende 20 moradores com idades entre 22 e 50 anos. Todos têm algum tipo de deficiência intelectual ou transtornos de desenvolvimento que exigem cuidados especiais. Muitos chegam para algum tipo de tratamento ou para estudar. Mas acabam abandonados pelas famílias.
Aos poucos, e com autorização judicial, Lurdinha conseguiu se aproximar de Josué. O que começou com visitas ao Centro Educacional foi sendo incrementado com passeios e convívio familiar.
De De uma história marcada por abandonos a uma nova vida cercada de afeto
Paralelo a isso, ela buscava também o passado do rapaz. Descobriu que com oito dias de vida ele foi entregue pela mãe para uma família, no Sul de Santa Catarina. A chamada adoção à brasileira, onde a mãe biológica dá o filho para outra pessoa criar, não deu certo.
O menino foi devolvido ao Fórum meses depois. Uma adoção legal chegou a ser feita. Mas foi novamente levado de volta para a Justiça da Infância e Juventude. Provavelmente, por perceberem que se tratava de uma criança com síndrome de down.
O garoto ficou então aos cuidados de uma família protetora. Mas ao completar 12 anos _ quando pela legislação deixa de ser criança _ precisou sair e foi encaminhado ao Centro Educacional São Gabriel até maio deste ano.
Desde então mora com a nova família em um aconchegante apartamento no Centro de Florianópolis. Nesta semana ele ganhou uma festa de aniversário para comemorar os 26 anos. Entre os presentes, um que parece ter gostado muito: uma gaitinha de boca. Ideia da fono, que com isso pretende ajudá-lo a exercitar movimentos que estimulam a fala.
Fonte: NSC Total