A síndrome de Down (SD) acomete aproximadamente 1:700 nascidos vivos, independente de etnia, gênero ou classe social, sendo a cromossomopatia mais comum em humanos. A idade materna é um conhecido fator de risco associado, embora 80% das crianças com SD sejam nascidas de mães com menos de 35 anos.
Geneticamente, a partir do cariótipo, pode ser classificada em:
1) trissomia do cromossomo 21 (95% dos casos);
2) translocação (5% dos casos), pode estar associado a recorrência em gestações futuras e;
3) mosaicismo (1% dos casos).
Porém, deve-se lembrar que não são atribuídos graus de acometimento clínico. Pela presença de material genético excedente, está associada à conhecidas complicações, como as cardiopatias congênitas, hipotonia, deficiência intelectual, maior frequência de infecções, disfunções de tireoide, malformações gastrintestinais, alterações hematológicas, visuais e auditivas, dentre outras. O manejo clínico, o ambiente doméstico, educação inclusiva e intervenção precoce podem mudar drasticamente a perspectiva física e de neurodesenvolvimento, resultando em melhor qualidade de vida e autonomia.
Idealmente, duas abordagens diferenciadas devem ser incluídas na mesma consulta: a abordagem relativa às condutas iniciais com o recém-nascido; e a abordagem da família com as suas ansiedades e questões ainda em fase de elaboração.
=> O RECÉM-NASCIDO (RN) COM SÍNDROME DE DOWN: normalmente, os bebês chegam ao consultório/ambulatório com diagnóstico pré-natal ou suspeita clínica baseada em seu fenótipo, pois na maioria dos casos, o diagnóstico ainda é pós-natal. Assim, o primeiro passo da consulta pediátrica é averiguar se na maternidade foi colhido o cariótipo e realizado ecocardiograma, visto à frequência das cardiopatias congênitas (50% dos casos) e aumento da gravidade clínica quando há repercussão hemodinâmica neonatal. O cariótipo não é obrigatório para o diagnóstico da SD, mas é fundamental para orientar o aconselhamento genético da família. Na sequência, a abordagem desse RN deve contemplar:
- Revisão cuidadosa da história familiar, buscando informações de abortos, natimortos ou neomortos;
- Revisão de informações de pré-natal, incluindo exames de sorologias maternas, ultrassonografias e ecocardiograma fetal;
- Realização de exame físico minucioso, revendo as características fenotípicas que levaram a suspeita/diagnósticos clínicos, confirmando-as ou não;
- Avaliação de dificuldades de sucção/deglutição e sua incoordenação com a respiração, lembrando que se trata de um recém-nascido hipotônico e de baixo peso – bebês com SD geralmente nascem com peso abaixo da média para a idade gestacional (IG). Examinar as mamas maternas pois, a presença de alterações em formato de mamilo constitui obstáculo a mais nesse processo; além das condições psíquicas da mãe, que geralmente está insegura, deprimida e assustada nesse início. Logo, a assistência fonoaudiológica torna-se primordial para estabelecimento e manutenção do aleitamento materno.
- Solicitação de exames de triagem neonatal universal, acrescidos de outros exames que complementam a avaliação inicial em busca de malformações comumente associadas: teste do pezinho ampliado, com pesquisa de imunodeficiências; emissões oto-acústicas (teste da orelhinha) e potencial evocado auditivo de tronco encefálico (BERA/PEATE); avaliação oftalmológica com fundoscopia; ultrassonografia transfontanelar; ultrassonografia abdominal total; coleta de hemograma completo (reações leucemoides ou distúrbios mieloproliferativos transitórios são frequentes no RN, assim como policitemia- 10% dos casos);
- Orientações à família quanto à maior incidência de infecções respiratórias, refluxo gastro-esofágico, e importância de um posicionamento cervical adequado, para prevenir extensão ou flexão excessivas, protegendo assim a medula cervical (14% dos indivíduos tem instabilidade atlanto-axial);
- Orientações sobre a estimulação precoce e seus benefícios.
Em 2012, o ministério da saúde publicou as “Diretrizes de atenção à pessoa com síndrome de Down”, cuja proposta é oferecer orientações às equipes multiprofissionais para o cuidado à saúde da pessoa com SD ao longo de seu ciclo vital. Nessa publicação encontramos as orientações direcionadas para cada fase da vida, constituindo ferramenta de leitura indispensável ao profissional que dá suporte a criança ou adulto com SD. A caderneta de saúde da criança, que é entregue à saída da maternidade também possui informações que são úteis à família para uma orientação inicial.
=> A FAMÍLIA DO RN COM SÍNDROME DE DOWN: o acolhimento dessa família é fundamental para gerar o suporte emocional, possibilitando a reconstrução da imagem do bebê idealizado. Nesse contexto, a postura ética e profissional do médico torna-se o pilar dessa abordagem, só assim é possível validar a relação pediatra-família.
Embora a condição genética da SD seja a mesma desde sua primeira descrição, as possibilidades mudaram muito no decorrer dos últimos 30 anos. As crianças com SD estão sendo alfabetizadas, inseridas no mercado de trabalho e por vezes alcançam a universidade. E é isso que os pais querem e precisam saber, sobre as potencialidades e como podem explorá-las. Como disse Dra. Marylin J. Bull do comitê de genética da Academia Americana de Pediatria, quanto à abordagem familiar, “o objetivo é ser positivo, mas realista”. É importante que os pais recebam suporte de pediatra experiente e que lhes forneça orientações antecipatórias baseadas em evidências e os assista quanto ao entendimento acerca do desenvolvimento das habilidades da criança, enquanto estabelece expectativas com realidade.
Em 2009, Skotko e colaboradores realizaram pesquisa sobre a percepção dos pais ao receber a notícia sobre a síndrome de Down em seu recém-nascido. A maioria expressou descontentamento na forma em que foi abordada pelos profissionais. Suas principais reivindicações consistiram na forma e na qualidade da informação oferecida. A informação passada à família não deve ser vaga ou inconsistente, mas também não pode ser excessiva. Inicialmente o profissional deve se concentrar nos acometimentos com impacto no primeiro ano de vida, ou seja, naquilo que eles devem focar naquele momento. Também deve ser oferecido o contato de associações de pais e familiares de pessoas com SD, pois esses grupos podem dar informações práticas sobre o convívio e situações diárias que envolvem a SD.
Por fim, a abordagem deve ser humanizada e centrada no indivíduo, e não em sua condição genética. Esse recém-nascido vai crescer, se desenvolver, terá sonhos e protagonizará sua história. O papel do profissional será auxiliar na exploração do potencial máximo dessa pessoa, não impondo limitações, mas abrindo horizontes para um viver pleno e saudável.
Autora: Rita Gonçalves – Pediatra / Neonatologia
Fonte: PEBMED
Referências:
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- Saul, R.A.; Meredith, S.H. Beyond the Genetic Diagnosis: Providing Parents What They Want to Know. Pediatrics in review, July 2016.
- Skotko,B.G.; Capone, G.T.; Kishnani, P.S. Postnatal diagnosis of Down Syndrome: synthesis of the evidence on how best to deliver the news. Pediatrics 2009; 124; e 751. DOI: 10.1542/peds.
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